Não sei ao certo quando comecei a me sentir ou ser assim, mas minha memória sempre me leva aos meus 10 anos mais ou menos, talvez um pouco menos.
Meu primeiro episódio de pânico com relação ao abandono eu tinha menos de 10 anos. Não me lembro se eu já frequentava a escola, mas acredito que sim. No dia em questão eu e minha mãe estávamos sozinhas em casa. Meu pai havia levado meu irmão para pescar e minha irmã estava na casa de alguma de nossas primas. Enfim, eu e minha mãe estávamos sozinhas em casa.
Era por volta de 3 ou 4 horas da tarde e minha mãe disse que era hora de tomar banho. Entrei no banheiro e ela entrou comigo. Conversamos um pouco e ela saiu do banheiro, me deixando tomar banho sozinha. Até ai tudo bem, normal como em todos os dias. Eu aproveitei para brincar, e demorei um bocado no banho. Achei legal porque minha mãe não veio dizer que eu devia terminar logo o banho.
Terminei. Desliguei o chuveiro, me sequei e fui pro quarto me trocar. Coloquei uma roupa e chamei "Manhê". Não houve resposta. Chamei de novo "Mãe". Nada...
Foi ai que o desespero começou. As lágrimas começaram a escorrer e eu sai pela casa procurando ela e chamando-a. Em cada cômodo um novo soluço e uma dor que ia aumentando cada vez mais no meu peito. Meu coração batia rápido. Me vi totalmente sozinha, com medo e desesperada. Saí para fora de casa e tranquei o portão, entrei e tranquei todas as portas e janelas. Me joguei no chão do corredor dos quartos e comecei a gritar. Dava murros no chão, chorava e perguntava porque ela tinha me abandonado, me deixado ali sozinha. A dor era enorme, como se ela pudesse a qualquer momento se projetar para fora de mim e se materializar.
Foi então que eu ouvi ela me chamar do portão. Fui até a janela e lá estava ela, também desesperada me chamando, pedindo para eu abrir o portão. Fui lá, mas meu pai havia levado a chave do portão com ele. Ela pulou o portão e me perguntou o que estava acontecendo, porque ela estava na vizinha e ouviu meus gritos de lá. Eu continuei chorando e me sentindo muito envergonhada por ter me desesperado e enlouquecido daquela forma. Falei que ela me deixou sozinha e não me avisou que sairia. Não me lembro se ela me abraçou, mas ela disse que como eu poderia pensar que ela ia me deixar sozinha.
Este acontecimento sempre me deixou confusa. Sentir medo em me ver sozinha é aceitável, tendo em vista que eu era uma menina pequena, mas a intensidade daquele sentimento, que depois se repetiu tantas e tantas vezes na minha vida, é que me chama a atenção. Ate saber que eu sou borderline eu achava que todas as pessoas se sentiam como eu. Achava sem coração as pessoas que terminavam e começavam relacionamentos com a facilidade com que trocam de roupas, ou sentia uma certa inveja das pessoas que saiam da casa de seus pais e se tornavam bem sucedidos e independentes, porque eu queria conseguir ser como elas. Eu sempre me perguntei o que havia de errado comigo?
Tudo agora é uma construção e digo que é extremamente difícil. Difícil porque estou cercada por pessoas que não compreendem o meu transtorno, e ainda pior: não o aceitam. Tive uma briga com meu pai na ultima quinta-feira. Meu pai é o mestre de jogar com a culpa. Eu expor meu desejo de morar sozinha fez com que ele decretasse que eu não os amo (ele e a minha mãe) e que ele não poderia contar comigo para nada. Todos os meus medos se concretizam em saber que ele decepcionou-se comigo pois não sou bem sucedida como ele tanto investiu ou orgulhou-se de dizer quando passei em uma universidade federal ou fui fazer mestrado numa das mais conceituadas universidades do país, não sou responsável como ele sempre achou que eu seria, não sou uma boa filha porque não me importo com eles...
Por mais que eu queria transformar essa dor que esmaga meu peito a cerca de 20 anos, as vezes acho que nunca conseguirei.
Percebo cada dia mais que é um caminho que preciso percorrer sozinha. Cada vez mais é necessário que eu abandone a aceitação e aprovação do outro para constituir a minha vida. Ainda que a dor seja indescritível, sei que eu e tantos outros borders somos imensamente fortes, pois vivermos sob tensão, dor e pressão todos os dias, meses e anos de nossas vidas, e ainda sim conseguimos acordar todas as manhãs para mais um dia.

A parte do pai me tocou, fiquei muito emocionada com seu texto, com a sua história e o jogar com a culpa é cruel mesmo que façam com boas intenções.
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